segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Texto Avulso #1

Naquele canto tão sombrio só o vazio. Aqui sentado nesta cadeira de plástico, respiro fundo e fecho os olhos. Nada. Absolutamente nada. Tão vazio como aquele canto sombrio que vejo sem olhar. Penso. Murmuro frases de mim para comigo, imagino conversas que nunca terei, imagino acontecimentos que nem o astrólogo mais optimista pode prever. Afundo-me na solidão. Sem réstia de esperança vou até à janela. Respiro o ar purificado pela rua deserta. Tão deserta como este coração que sangra sem parar. Quantas pessoas não passaram nesta rua com a vã esperança de se encontrar? Quantas vezes não caminhei eu por esta mesma rua acompanhado apenas pelos pensamentos lúgubres que me preenchem? Talvez dezenas, talvez mais ou talvez menos. Também não sei bem. Ando tão esquecido que até de viver me esqueci. Fiquei perdido na confusão que a razão instalou num cérebro exausto de tantas voltas, saturado de tanto trabalhar, massacrado por um dono que nada mais faz senão colocá-lo em alerta constante. Um dia sei que ficarei bem. Um dia. Talvez, um dia. 

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Voar como o Tempo

Dizem que o tempo voa. Pode voar realmente. Mas apenas quando as suas asas carregam amor, esperança e alegria. Por outro lado, se o véu negro da tristeza lhe empecilha as asas fica apenas a planar. Voando ou planando o tempo é sempre igual, nós é que falhamos ao medi-lo. Não só na medição se encontra o pecado humano. Achamos que também o podemos controlar como quem amarra o relógio ao pulso. Mas a bracelete pode sempre partir e só depois damos valor ao tempo que perdemos. Se há coisa na vida que perdemos é tempo... E não há forma de o recuperar. Vamos apenas seguindo essa marcha de segundos, minutos, horas, dias, anos e décadas que precedem a marcha fúnebre que já não vemos. Voamos nas asas do tempo na esperança de ser tão infinitos como ele. 

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Tempestade

Ela chega como se fosse um furacão. Decidida, passo confiante e olhar altivo. Nada a detém, nada se pode fazer para amenizar a força com que ela te leva todos os sentidos. E fugir não é opção. O encantamento perdura mesmo perante a catástrofe. Por mais que eu tente vaguear e fugir, volto sempre ao centro do furacão...
Tento, juro que tento, recolher todos os destroços em que fiquei. E, perdido nos escombros desta tempestade tão doce, vejo-me a sucumbir perante o poder que sobre mim cai. Eu sei que deveria desejar o sol mas é impossível pois estou enfeitiçado pela tempestade perfeita. 

terça-feira, 7 de julho de 2020

Se Tu Soubesses

Se tu soubesses. O que seria se tu soubesses? Se soubesses que quando te vejo fica o ar rarefeito, fica um mundo por descobrir apenas na curta distância do nosso olhar. Se tu soubesses os fogos que ardem dentro de mim, hectares e hectares de matas carbonizadas, feitas cinza só porque tu és o lume que me incendeia. Se tu soubesses o desconforto que sinto estando tão perto e não te podendo tocar, é como ter a fortuna ali ao lado e não ter mãos para lá chegar. Ai se tu soubesses. Se soubesses quantas noites durmo sem fechar os olhos com medo de perder essa tua imagem tão bela, com medo que o sonho que vivo acordado se dissipe no sonho de uma noite bem dormida. E sempre aquela distância longa de meia dúzia de centímetros, e sempre aquela distância de palavras ditas brincando a sério, aquela distância do medo depois da água fervente, aquela distância depois do amor com o coração em pedaços. Se tu soubesses. Se tu soubesses o quanto eu espero pelo nascer do sol. Trás com ele a luminosidade desse rosto imutável. Trás com ele a alegria de uma manhã de primavera mesmo em Dezembro. Trás com ele o teu cheiro, a tua voz, a tua sombra... Essa sombra que comigo caminha todos os dias e sempre longínqua, sempre distante... Dissipa-se com o vento e nevoeiro do fim de tarde. Se tu soubesses. Talvez um dia o descubras. Um dia. Talvez. Um dia... 

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Um Amor Incondicional

Nutrir amor por um objecto sem vida é algo com que me identifico. Apaixonei-me ainda na adolescência e cada vez mais vejo esse amor a crescer. São os meus amigos inanimados mas tão palpáveis. Já adivinharam? São os meus livros. Vivemos um amor próximo, diário e em que cada virar de página só enaltece este amor desprendido de razão. Deste amor não se espera um fim, no máximo apenas uma pequena crise de interesse. Mas nunca morre. Sinto que enquanto as rugas me vão marcando o rosto também eles envelhecem. Ficam com as páginas amarelecidas, tornam-se edições raras ou acabam até por um anonimato incompreensível. Amores assim nem nos livros, só pelos livros. Vivemos juntos sem casamento marcado mas também sem separação à vista. Sei que um dia o barqueiro negro me irá levar e este grande amor cá ficará como o maior elogio à minha vida. 

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Um #estou-mecagandismo

Tenho redes sociais? Sim. É, para mim, um local de partilha de momentos, pensamentos, ideias, estados de espírito e representa também o reviver de momentos e amizades. Contudo, tenho-as usado para fazer uma análise sociológica. E não podia estar mais desapontado. Bem sei que vivemos num tempo em que impera ou o policamente correcto ou a fanfarronice. Qualquer uma delas me irrita profundamente. A primeira porque acho que virou moda e parece que todas as pessoas viraram rebanho e seguem o mesmo caminho. Deixou de existir o pensamento próprio. Deixou-se de defender ideias e ideais em que acreditamos apenas para parecer bem. Existe uma incapacidade de formar opinião. E, quando esta se forma, somos submetidos a todo o tipo de insultos que começam de forma absolutamente gratuita. E temos também o segundo caso (o da fanfarronice) que é em geral conduzido por um sentimento de supeoridade hipócrita. E só é hipócrita porque só existe no anonimato de um teclado. Num caso ou noutro, ter opinião própria e politicamente incorrecta é comparável a ser um marginal, um louco inadaptado a uma sociedade de ovelhas. Parafraseando: "o foda é ser bode num mundo de ovelhas". Ou, como eu digo, ser pessoa na multidão. Pouco me importa ser maluco ou inadaptado porque não alimento ódios, cultivo o respeito. Não vendo simpatia, ofereço-a. Não pretendo likes nem reconhecimento, quero apenas ser o bom rebelde. Viver à margem mas integrado no mar que somos todos nós. Eu sei que a minha alegria faz confusão, que o meu humor negro choca, que a minha simpatia é anormal, que o meu carpe diem é condenável, mas, a minha felicidade depende de mim e não do que pensam de mim.

quarta-feira, 31 de julho de 2019

As Frutas e Legumes são Pesados na Caixa- Parte II

A partir de um texto de Miguel Esteves Cardoso

"O tempo não passa pela amizade. Mas a amizade passa pelo tempo.É preciso segurá-la enquanto ela há." É nefasta a brevidade do tempo que passamos juntos. Mas nada existe de melhor do que a companhia das pessoas que escolhemos amar de forma leal e incondicional. Fazemos sempre o mesmo: bebemos umas quantas cervejas (bem frescas), um café, fumamos um cigarro, vamos almoçar ou jantar... E tudo tão diferente mas sempre igual. Unidos em volta destas coisas tão banais, vivemos aquilo a que se resumirá a nossa vida. Percorremos um caminho juntos mas cada um por si. Vamos criando aquilo a que chamamos memórias. Temos tendência a guardar os bons momentos mas estamos sempre mais presentes nos maus. Deve-se isso a um compromisso que temos: nunca deixar que o amigo bata no fundo. Temos o dever de o erguer, de o fazer olhar em frente e ver tudo aquilo que ainda temos para viver juntos. Invisivelmente estamos sempre de mãos dadas tal e qual os namorados no início da paixão. A amizade, quando é verdadeira, resiste à distância, a todas as tempestades, a todos os obstáculos... E quando se ganha um amigo é para a vida, é viver aprisionado a alguém mas num aspecto positivo. "Somos amigos para sempre mas entre o dia de ficarmos amigos e o dia de morrermos vai  distância tão grande como a vida."