I
A seguinte história decorre em Nova Iorque no ano de 1927, período em que a imperava a Lei Seca por todos os Estados Unidos. Os mafiosos aproveitaram para lucrar com isso.
Fumando um charuto estava Don Ubaldo os seus dois capos Benito e Zenone e o seu consigliere Vicenzo.
- A tragédia atingiu a nossa família – disse serenamente o Don.
Silêncio absoluto.
- O meu filho e nosso sottocapo, Stefano, foi preso. – continuou o chefe máximo da família Castiglia.
O ar preocupado de todos os outros presentes acentuou-se. Vicenzo, o outro filho de Don Ubaldo estava destroçado.
- Estamos em perigo? – arriscou Benito.
- Parece-me que temos que tomar todas as precauções de agora em diante. O primeiro passo é tirar Stefano da prisão – respondeu Don Ubaldo.
- Acho que isso será algo difícil – começou Vicenzo – Estive a informar-me e ao que parece este juiz é muito intransigente. O combate dele ao nosso modo de vida já é muito antigo.
- Quem é ele? – inquiriu Zenone, intervindo na conversa pela primeira vez.
- Frank Tander – revelou o consigliere.
- Já ouvi falar. Não terá ele nada que possamos aproveitar?
- Não me parece que um homem que combata a Máfia esteja comprometido. Mas, meu caro Zenone, ficas já tu encarregue de investigar isso e depressa. Quanto a ti, Benito, preciso que descubras quem montou esta cilada ao meu filho – a voz do Don fazia realçar a importância destas tarefas.
- E eu? – inquiriu Vicenzo.
- Tu irás informar todos os nossos membros envolvidos no tráfico de bebidas que no negócio está suspenso e que os bares estarão fechados por tempo indeterminado.
- Mas, meu pai, isso não trará problemas para as nossas finanças?
- Acredita que, neste momento, a nossa liberdade é mais importante que o dinheiro.
Batem à porta do escritório. Dada a permissão, entra a mulher de Don Ubaldo, Beatrice.
- Chegou esta carta para ti – disse entregando ao Don um envelope apenas com o seu nome inscrito.
O poderoso homem começa a ler a carta e começa a empalidecer dificilmente contendo as lágrimas.
- Que se passa? – inquire o filho.
- Más notícias – respondeu o pai quase perdendo os sentidos.
II
A notícia era uma autêntica bomba. A família estava de luto. Stefano tinha-se enforcado na prisão. O magnífico Don retirou-se para chorar pois não queria mostrar fraqueza perante todos os outros membros presentes. A grande dúvida pairava no ar. Qual seria o motivo do suicídio de Stefano? Teria quebrado o código Ómerta? O código Ómerta é um pacto de silêncio que implica nunca revelar nada às autoridades e não só. É utilizado pelos mafiosos e pelo povo que se remetem ao silêncio em troca da ajuda do Don. Nesses casos nunca se procura a polícia, mas sim o Don que poderá fazer justiça ou organizar vinganças. Teria o Stefano Castiglia posto toda a sua família em risco, desvendando segredos guardados a sete chaves? Enforcou-se pela vergonha ou com medo da vendetta? Ou teria sido apenas o medo? Todas estas questões passaram pela cabeça do capofamiglia Ubaldo. Tinha que agir imediatamente ou ficaria muito comprometido.
- Zenone, quero que sigas o Juiz e tenta descortinar alguma coisa sobre esta tramóia. – o Don entrou no escritório disparando logo esta ordem - Ele ainda deve estar na Procuradoria. Mal ele saia segue-o. Assegura-te que ele não contacta com ninguém. Ninguém. Percebes?
- Sim, vou imediatamente para lá – disse Zenone, saindo apressado.
- Benito, tu vai investigar o que te pedi. Quero saber de tudo – ordenou Don Ubaldo com voz austera.
Quando Benito saiu ficaram apenas pai e filho. O Don e o seu sucessor e actual consigliere.
- Meu filho, o nosso caso está muito mal parado. Vais dar todas as ordens que te pedi. Podia dá-las eu mas sabes que os telefones não são seguros. Não podemos parar para pensar. Desconhecemos, por enquanto, a dimensão de toda esta tramóia. Vai, que eu vou descansar um pouco.
O filho saiu silenciosamente e Ubaldo Castiglia sentou-se na sua cadeira e puxou de mais um charuto. Tinha saído de Itália para Nova Iorque em 1912 para procurar melhorias na sua vida. Conseguiu, com alguns amigos, começar a fazer contrabando. Começaram a contrabandear coisas que roubavam. Aos poucos o negócio foi prosperando e começou a ter grandes dimensões. O lucro era imenso mas a polícia começava a estar alerta. Aí começou a verdadeira família. Os subornos, a agiotagem, as manobras silenciosas passaram a fazer parte do prato do dia. Os negócios foram crescendo e com a introdução da Lei Seca em 1919 melhores ficaram. O contrabando de bebidas alcoólicas e os bares clandestinos eram agora a grande actividade da família Castiglia. Mas a que preço? Os amigos que se tinham iniciado com Ubaldo ou tinham fugido ou tinham sido mortos pela polícia em rusgas. Agora surgia mais um problema. Parecia que a “Era de Ouro” estava a ficar manchada por mortes e fugas. Nisto pensava o capomandamento quando Benito bateu à porta entrando assim que teve licença concedida.
Não esperou para dar as informações ao seu superior.
- Estive a falar com os nossos homens. Ninguém sabe de nada. Ao que parece Stefano foi atraído ao local da cilada por um bilhete muito estranho.
- Alguma pista sobre quem o mandou?
- Nada muito concreto. Sei que tudo indica para que tenha sido alguém de dentro.
III
Havia, portanto, um traidor dentro do seio da família. Quem seria? Uma pergunta muito difícil.
- Benito vai descansar. Amanhã vem aqui cedo para discutirmos pouco – ordenou o capomandamento.
Benito despediu-se com um beijo no anel do seu Don e retirou-se. Passados cerca de quinze minutos entrou Vicenzo.
- Mais más notícias – disse o filho ofegante.
- Então?
- Zenone foi preso. Apanharam-no a seguir o juiz.
- Como é que foi descoberto? Ele é sempre tão cuidadoso.
- Não faço ideia. Mas isto está-nos a dificultar as operações.
- Benito…
- Hum?
- Foi o Benito. Ele traiu-nos. Ele deve ser o contacto do juiz. De alguma forma eles contactaram e livraram-se do Zenone. Faz tudo sentido. Ele não foi investigar, foi encontrar-se com o juiz. O traidor é ele.
- Achas mesmo? Sabemos que há alguém a mover os cordelinhos mas não temos certezas. Pode nem ser da família.
- É Benito, tenho a certeza. Ele disse que tudo indicava que houvesse um traidor dentro da família mas ao fazer isso considerava-se acima de qualquer suspeita.
- Que fazemos agora, meu pai?
- A honra da família está em causa. Trata do assunto.
IV
Quando Nova Iorque acordou havia já não havia capos da família Castiglia. Depois de Zenone, Benito tinha, também, partido já deste mundo. O seu corpo foi encontrado numa valeta de uma estrada pouco movimentada e o seu rosto completamente desfigurado. Marcas de vários tiros espalhadas por todo o corpo. A vendetta estava consumada. O Don acordou tranquilo. Nesse dia ia reunir-se com os chefes das outras famílias de Nova Iorque. De manhã enviou as condolências às viúvas dos seus capos oferecendo-lhes protecção. Apesar de tudo, o Don não perdeu a sua postura. Entrou no carro para se dirigir ao local da reunião, já almoçado e com a tarde inteira pela frente. Mas, de súbito, o carro pára e vários polícias abrem a porta, tiram-no da viatura e algemam-no. O Don pensa “ou isto é azar a mais ou o traidor é outro”. Levaram-no para uma cela. Aí recebeu a visita do seu filho Vicenzo. Os dois encararam-se. O Don sabia agora que tinha cometido um terrível erro. O traidor era o seu próprio filho.
- Pai… Pai… Nunca te passou nada disto pela cabeça. Sempre me disseste para desconfiar de toda a gente. Cometeste um erro primário.
- Isto tudo só para provares que eu também erro? – disse o Don irritado.
- Não. Claro que não. Tu sabias que eu queria ser o capofamiglia mas sempre deste prioridade a Stefano. Nunca me confiaste uma tarefa de grande peso. Era como se fosse um moço de recados teu. A palavra consigliere era apenas uma fachada pois eu era mesmo era um moço de recados. E sabes que mais? Fartei-me. Fartei-me de ti, de nunca me ouvires, de sempre elogiares Stefano deixando-me de parte. Como deves imaginar isso desgasta uma pessoa. Portanto, mandei um bilhete a Stefano armando-lhe uma cilada. Coitado, nunca pensei que ele fosse fazer aquilo. Mas assim simplificou o meu trabalho. Eliminei o Zenone antes dele chegar ao juiz e consequentemente fiz-te acreditar que era Benito o traidor. Foi tudo tão fácil.
- Acho que estás algo enganado. O teu plano teve uma falha.
- Ahahahaha – as gargalhadas de Vicenzo tinham um sabor amargo – isto é mesmo demais. Falhas? Achas que ainda tens poder? Já falei com todos os outros Dons e eles estão felizes pois eu saberei negociar com eles.
Entra alguém silenciosamente sem que Vicenzo se aperceba e começa a dizer com uma voz profunda e cativante:
- Houve um velho que um dia me disse: “ Dizes que tens um bom contacto político e que graças a ele podemos fazer um grande império. E pedes-me um conselho… Hoje em dia não devemos fiar-nos em ninguém. Por acaso não podem ser impostores? E se forem delatores? E se forem infiltrados? Querido filho, se não sabes o caminho que deves escolher, também não saberás caminhar.”
Quando Vicenzo se virou para ver quem estava ali com eles ficou incrédulo. Quem estava ali era o seu irmão Stefano.